domingo, 30 de agosto de 2009

PEQUENA ESTÓRIA PARA UMA MANHÃ DE DOMINGO


COMO KYNOKÉFALE VIROU SANTO
"Sentado à beira do rio, Ky­nokéfale desejou o fim do mundo. Um fim de mundo, como nenhum outro - que os homens fossem devorados pelos seus próprios medos, pelos seus próprios fracassos e pela sua própria covardia, pela competição. Que o pânico engolisse os homens numa guerra sem espadas,
Kynokéfale sentiu que os homens pequenininhos sempre precisavam de suas espadas para se sentirem fortes como as muralhas, mas que por dentro os homens estavam mortos de medo. Com a força de mil tigres, com os passos de um gigante, com os ombros largos como muralhas, Kynokéfale estava cansado de ver o medo saltar dos olhos das pessoas. Nem o arco e a flecha nem a espada dos homens provocavam medo em Kynokéfale, que atravessou o mundo com seus passos de gigante, que navegou pelos mares, naufragando arcas e pro­curando no céu um sinal de coragem nos homens.
Kynokéfale não precisava de armas para derrubar um exército inteiro. As armas de brinquedo dos homens pequeninhos era para Kynokéfale sinal do medo dos homens e numa guerra, Kynokéfale só precisava ver o medo saltar dos olhos dos soldados para ganhar a luta, mas Kynokéfale estava muito cansado: pendurou as armas, o uniforme de guerreiro, as medalhas e as vitorias. Abandonou todos os exércitos, os imperado­res e seus castelos e saiu à procura de um chefe sem me­do, de um povo que ganhasse uma luta sem armas, de um exército que comandasse, sem fracassos.
Kynokéfale andou por flores­tas e mares, atravessou oceanos para encontrar o mais poderoso, o mais destemido porque Kyno­kéfale estava cansado dos imperadores e de seus medos. Pelos lugares em que passava imperadores, soldados e povo tinham medo, mas Kynokéfa­le descobriu no coração das pessoas um medo tão grande, quase igual ao fim do mundo.
Como os exércitos, como os militares e os imperadores ti­nham medo de sua força de mil tigres, todos os homens se benziam, se encolhiam quando o diabo era citado e, então, Kynokéfale escolheu: o diabo seria seu dono e pelo diabo ele lutaria até a morte.
Kynokéfale se pôs a serviço do diabo e muito feliz com seu novo emprego Kynokéfa­le foi atendendo a todos os pedidos do diabo. Mas com o tempo Kynokéfale descobriu que também o diabo tinha um medo secreto, um medo ter­rível da cruz. Que o diabo se escondia, suava, gemia, sofria, pulava quando uma pessoa fazia o sinal da cruz. Mas como prestar serviços a uma cruz?
Kynokéfale estava cansado e à beira do rio, desejou o fim do mundo. Um fim do mundo como nenhum outro e foi à beira do rio que Kyno­kéfale encontrou um eremita e à beira do rio Kynokéfale confessou ao eremita seus segredos e à beira do rio Kyno­kéfale ficou sabendo de uma pessoa - a mais poderosa, que não tinha medo dos demônios da vida, dos exércitos, das armas, dos tigres, da tempestade, do fim do mundo, mas que trabalhar para uma pessoa tão poderosa, sem me­do do diabo, era muito difícil. Jejuar, rezar e meditar era o único caminho para se chegar a essa pessoa todo poderosa.
Kynokéfale, com sua força de mil tigres, com seus ombros de muralha, com seus passos de gigante soube que não conseguiria cumprir nenhuma das três condições, mas o eremita que nunca ti­nha visto homem tão forte, com olhos tão mansos lhe recomendou praticar a caridade para chegar ao mais poderoso dos homens. E Kynokéfale, sentado à beira do rio, deixou que pelo seu coração entrasse, pela primeira vez, um pedaço do mundo.
Olhando para o rio, que parecia não ter fundo nem destino, que parecia não ir a par­te alguma - um rio calado e fundo, Kynokéfale sonhou com sua própria morte e muitos tigres rugiram dentro dele nesta hora ao mesmo tempo que descobria o coração do rio. Kynokéfale sentiu que a sua vida estava presa àquele rio, que parecia não ter fundo. Kynókéfale resolveu servir aos moradores das margens do rio, aos viajantes que não conseguiam atravessar o rio. Ele se entregou ao rio e com a força de mil tigres, Kynokéfale resolveu trabalhar para o rio, transportando nos ombros todos os Viajantes do mundo. Kynokéfale fez do seu ombro, um barco e como um barco, deslizando sempre pelas águas, Kynokéfale não se importou com a tempestade, com os relâmpagos que cortavam o céu ao meio, com o trovão que fazia os homens se encolherem.
Kynokéfale, sempre com seu bastão de ferro, remando para cima e para baixo, calado e fundo como um rio ficou sentado às margens do rio e como um rio ou como um barco ou como um remo Kynokéfale navegou com os via­jantes
Kynokéfale estava à beira do rio quando uma criança o despertou de seu sono profun­do e lhe pediu que o transportasse para a outra margem. Segurando firme a criança Kynokéfale fez do seu ombro um barco e entrou pelo rio adentro, mas seu ombro estava ficando cada vez mais pesado e o barco do seu ombro quase naufragou, Espantado, suando muito, Kynokéfale olhou para o menino:
- Por que tanto peso para uma criança?
Eu já carreguei os viajantes e seus medos e suas malas e nunca senti tanto peso. Já transportei metade do mundo e nunca fiquei assim. .
- Você acaba de carregar os pecados do mundo.
- Você acaba de carregar o criador do mundo e de hoje em diante o seu bastão de ferro vai se encher de flores muitas vezes e de hoje em diante você vai me ajudar a carregar os pecados do mundo. Seu nome será Christipho­rus e você vai ser agora o meu apóstolo."

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